Estudo “Síncrone”
O Estudo Síncrone, que teve como promotor o IPRC e englobando no seu steering-committee elementos dos Grupos de Estudo de Ecocardiografia e da Insuficiência Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, foi um registo observacional dos doentes com disfunção ventricular esquerda e/ou dessincronia cardíaca com indicação para a implantação de dispositivos electrónicos, tendo tido o apoio da firma de consultadoria para ensaios científicos Key-point, a colaboração da empresa de informática Infortucano na elaboração e funcionamento da sua base de dados e o suporte financeiro pela Boston-Scientific, através de uma Bolsa de Investigação não condicionada.
Elaborado o protocolo e criada uma base de dados acessível pela internet, foram convidados a participar todos os centros nacionais que simultaneamente implantassem dispositivos electrónicos cardíacos (cardioversores-desfibrilhadores e/ou ressincronizadores cardíacos), tivessem capacidade para proceder ao estudo ecocardiográfico detalhado dos doentes incluindo a selecção dos com FEVE<35% e a avaliação dos parâmetros de dessincronia e por fim, que garantissem a optimização da terapêutica farmacológica da insuficiência cardíaca e uma referenciação adequada para tratamentos invasivos.
De acordo com o protocolo estabelecido, tratava-se de um “Estudo Observacional de Caracterização de Doentes com Insuficiência Cardíaca e Assincronia, antes e após Implantação de Dispositivos de Ressincronização e/ou Desfibrilhação”.
Pretendia-se caracterizar sob o ponto de vista clínico, electrofisiológico e ecocardiográfico o perfil dos doentes com insuficiência cardíaca e disfunção sistólica severa (com ou em dissincronia) que foram submetidos à implantação de dispositivos electrónicos (CRT-P, CRTD e CDI), assim como avaliar a sua evolução clínica a longo prazo.
Como objectivos secundários pretendia-se avaliar os factores preditivos de resposta à terapêutica de ressincronização, avaliar a evolução clínica, arritmológica e, ecocardiográfica durante o seguimento de um ano após implantação do dispositivo, caracterizar as complicações intra e extra-hospitalares e avaliar os factores com maior impacto na sua ocorrência.
Dos 25 centros nacionais recenseados, 16 vieram a participar no estudo, depois de obtida a autorização dos respectivos Conselhos de Administração e Comissões de Ética.
A inclusão de doentes iniciou-se em Setembro de 2011 começando por um pequeno número de centros, que foi depois gradualmente aumentando. Devido à dificuldade de recrutamento de novos casos constatada no primeiro ano do estudo, o steering-committee decidiu limitar a inclusão de doentes a 500 indivíduos, número que foi atingido em Abril de 2014. Como os doentes incluídos são seguidos até um ano depois da intervenção, a recolha de dados terminou em Abril de 2015.
A monitorização dos centros foi assessorada pela Key-point tendo no entanto havida grandes dificuldades na obtenção e disponibilização dos dados por parte de algumas Unidades participantes.
Foram incluídos doentes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico de insuficiência cardíaca e FEVE <35% e indicação para implantação de dispositivos de desfibrilhação e/ou ressincronização.
Os dados foram introduzidos pelos investigadores de cada centro num registo informatizado, acessível através da Internet, tendo a base de dados sido centralizada no IPRC. Foram definidos cinco momentos de avaliação dos doentes: antes da implantação do dispositivo, na alta hospitalar e aos 3, 6 e 12 meses (±1 mês) de seguimento, o qual foi realizado de acordo com a prática de cada centro, tendo a duração total de um ano.
Em cada avaliação estavam disponíveis para preenchimento, dados demográficos, clínicos, laboratoriais, terapêuticos, radiológicos, ecocardiográficos, arritmológicos e eletrofisiológicos. Os parâmetros do ecocardiograma definidos para avaliação estavam de acordo com as recomendações conjuntas da Sociedade Americana de Ecocardiografia e Associação Europeia de Ecocardiografia, incluindo os critérios de dessincronia aurículo-ventricular, interventricular e intraventricular.
No final do estudo procedeu-se á limpeza e validação da base de dados a que se seguiu a análise estatística, assessorada pela Key-point. Foi assim possível analisar os dados de modo a responder aos objectivos do estudo, tendo a sido elaborado um texto final que foi submetido e aceite para publicação na Revista Portuguesa de Cardiologia (no prelo).
Foram assim introduzidos no registo 515 doentes tendo sido considerados 486 para a avaliação basal e excluídos 29, que não tinham a maioria das características preenchidas no CRF (case report form); destes só 419 doentes tiveram seguimento completo (perda de 67 doentes nesta fase do estudo).
Relativamente às conclusões do estudo, os dados recolhidos pelo Síncrone permitiram concluir que, nos centros nacionais que tratam os doentes com insuficiência cardíaca e fracção de ejecção ventricular esquerda diminuída com recurso a dispositivos eletrónicos implantáveis, quer a terapêutica farmacológica, quer as indicações para a implantação de dispositivos estão de acordo com os mais exigentes padrões internacionais, reflectidos nas recomendações europeias, destacando-se a opção na grande maioria dos casos pela utilização do CRT-D.
Também os resultados das implantações dos CRT podem ser considerados sobreponíveis aos da literatura internacional, com melhoria significativa da classe funcional, independentemente da etiologia ser ou não isquémica. Reflectindo a qualidade do trabalho clínico desses centros, observou-se uma mortalidade global inferior à dos registos internacionais.
Por fim, um dado interessante e controverso do estudo foi a observação de que a presença de dessincronia intraventricular no ecocardiograma foi preditor da resposta à terapêutica de ressincronização, contrariando a tendência existente para desvalorização deste método como meio de previsão da resposta dos doentes à implantação de ressincronizadores.
O manuscrito final do Estudo Síncrone foi submetido para publicação na Revista Portuguesa de Cardiologia em Setembro de 2017, tendo sido depois seguido um processo complexo em que o texto foi apreciado por peritos da revista que sugeriram algumas alterações, tendo numa fase seguinte sido alterado o texto pelos autores sendo o artigo submetido de novo aos Editores, que finalmente o aprovaram.
Entrou-se então numa lista de espera para publicação tendo o processo sido arrastado por mais de um ano, só vindo a ser publicado on-line no final de 2018 e na revista em papel no número de Janeiro de 2019 (Rev Port Cardiol. 2019;38 (1):33-41).